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Amor e revolução

Na Folha de S. Paulo,
por Vladimir Safatle


Na semana passada, os egípcios tentaram comemorar os dois anos do início de sua revolução. Alguns poderiam dizer, no entanto, que não havia muito o que se comemorar.

O desejo de livrar-se dos dias mortos do passado parece soar hoje como uma promessa distante. Várias belas palavras foram ditas no calor do entusiasmo e muito pouco foi feito. Olha-se para trás com olhos decepcionados de quem, no final das contas, vê-se obrigado a dizer que, no fundo, nada aconteceu.

A princípio, melhor seria procurar outra coisa em outro lugar ou aceitar amargamente que quem sonhou com a reinvenção da democracia acorda hoje com a Irmandade Muçulmana. Mas há algo nos egípcios que impressiona e quebra tal leitura melancólica. Trata-se de sua incrível tenacidade.

Há dois anos, os egípcios mostram para nós o que significa não ceder em seu desejo. Tudo se passa como se eles estivessem preparados para as dificuldades e decididos a permanecer insistentemente nas ruas, a ocupar praças até que a vontade de uma vida reinventada seja enfim realizada.

Eles parecem fiéis a uma máxima fundamental dos povos que escrevem a história: "Real foi o momento em que sonhamos, as decepções que vieram depois são apenas ilusões que acabarão por se mostrar em sua inverdade". Pois o que teve a força de nos tirar do lugar é dotado de uma realidade que pode até enfraquecer, mas nunca desaparecer.

Marx, diante de mais uma revolução traída, não conteve sua ironia e disse: "Hegel escreveu em algum lugar que os grandes fatos são encenados duas vezes. Só que esqueceu de completar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa". Alguém deveria dizer a Marx: "Bem, Marx, nem sempre".

De fato, todo verdadeiro acontecimento, como é o caso de uma revolução ou um encontro, ocorre duas vezes. Nada de real existe sem repetir-se. Mas, em alguns momentos singulares, a primeira vez ocorre como tragédia e a segunda como (no fundo, esta é mesmo a melhor palavra) redenção. O que parecia completamente perdido demonstra que apenas procurava um melhor momento para fazer existir sua verdadeira força.

Por isso, povos fiéis a seu desejo nunca fracassam. Eles podem errar, como quem entra em uma errância e se perde, agindo às vezes de maneira irreconhecível. Como se não fossem mais capazes nem sequer de pronunciar corretamente o nome do que desejam. Mas tais situações de errância não são os capítulos finais.

Chega um momento em que os acontecimentos ocorrem uma segunda vez e as revoluções, por um caminho só compreensível ao final, enfim se completam.

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