na Folha de S. Paulo (12/01/2013)
O modelo paulista de cotas universitárias é bom?
NÃO
Fernando Henrique Cardoso afirmou, recentemente, que o PSDB precisa ouvir o povo. O PT fez, em parte, exatamente isso. Após o Bolsa Família, lançou um grande programa de cotas raciais e sociais para as universidades federais.
O seu projeto de democracia social está, no entanto, limitado por alianças com setores reacionários, o que acarreta prejuízos aos trabalhadores --em coisas como o apoio aos acordos coletivos com diminuição de direitos trabalhistas ou as desonerações das contribuições previdenciárias das empresas sobre a folha de salário. Quanto às cotas, devem ser aplaudidas, por atenderem ao clamor dos excluídos.
Na mesma trilha, o governo paulista do PSDB anunciou, pela imprensa, o programa de cotas para as suas impenetráveis, ao povo, universidades estaduais.
De forma elitizada, a partir de sua noção de mérito, diz que os negros e pobres somente podem fazer o curso eleito depois de serem considerados, por um sistema chamado de "college" (até o nome é esnobe), suficientemente bons para merecer o que almejam.
Colhe uma observação sobre o que a elite paulista entende por mérito. Em geral, considera merecedores os provenientes de seu seio: jovens brancos, que cursaram os melhores colégios privados.
Certamente que, entre os pobres e os negros, há pessoas mais aptas do que as que se enquadram nesse molde de merecimento. Alijados, com destaque para a questão racial, não têm acesso aos meios adequados para provar suas qualidades.
Se pensarmos com honestidade a meritocracia, ainda que em termos liberais, os mais capazes, excluídos em decorrência de sua condição econômica ou racial, devem ser contemplados com mecanismos que os coloquem verdadeiramente em igualdade na disputa. É a velha máxima jurídica de se tratar os desiguais na medida da sua desigualdade como forma de se alcançar a justiça.
Vista sob outra ótica, a meritocracia deve contemplar o que é melhor para a universidade, enquanto local de produção de conhecimento que interessa à sociedade. Quanto mais plural for o espaço universitário, maior será a possibilidade de se atingir tal meta.
No que concerne às cotas do governo paulista, não atendem a esses postulados e às vozes provenientes das ruas.
Após rumores na imprensa de qual seria o modelo adotado, a sociedade civil organizada se posicionou contrariamente por meio de manifesto da frente em favor das cotas de São Paulo. O documento, que se encontra disponível na internet, foi apresentado ao governo estadual, sendo que conta com a assinatura de mais de cem entidades e de vários professores das universidades estaduais paulistas, dentre outros. Ali se encontram a insatisfação com a proposta e a solução do problema, indicadas pelos movimentos e atores sociais.
É interessante constatar ainda o desprezo à autonomia universitária. Ao anunciar pela imprensa modelo já acabado, o governo acredita que certamente será aprovado pelas instâncias universitárias. Admitida tal premissa, percebe-se a fragilidade dessa autonomia, já que submetida à vontade do Executivo --como já se deu, por exemplo, quando o atual reitor da USP, escolhido pelo governador, sequer encabeçava a lista tríplice dos indicados.
Dando as costas, sobretudo, ao povo de São Paulo, o governo paulista manteve a proposta nos moldes elitistas em que foi inicialmente anunciada. Não deu ouvidos ao povo, concebendo simulacro de inclusão social --expressão usada por um dos reitores das estaduais em referência às cotas do governo federal.
MARCUS ORIONE, 48, doutor e livre-docente,
é professor do Departamento de Direito do Trabalho e
da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP
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