Páginas

A sexta economia do mundo cresce à noite

Faces do Jornalismo Econômico (*)
por Alberto Dines para o Observatório da Imprensa

Comprem, comprem, comprem – quem ganha é Miami. Desde que a Globo mergulhou de corpo e alma no espírito da Nova Classe C – a Classe Globo –, passeios ocasionais pelos telejornais da rede tornaram-se excelentes oportunidades para entender este neojornalismo informal, familiar, gracioso que se desenvolve ao longo do dia nas telas da Platinada.

A edição do Jornal Nacional da antevéspera do Natal (sexta, 23/12) transformou-se numa vitrine da nova estratégia administrada, como sempre, com a competência e a candidez do apresentador-editor-chefe William Bonner. Como naquele horário as grandes cidades brasileiras já iniciavam o recesso natalino, e como já se pressentia que as vendas deste ano seriam decepcionantes, o mais importante noticioso noturno da TV aberta brasileira converteu-se em escancarada sessão de promoção de vendas.

Ao vivo, em rede nacional, porque a Globo não brinca em serviço: nos principais shoppings do país, as repórteres eram sucessivamente acionadas pelo âncora na bancada para entrevistar consumidoras, animá-las a gastar mais e, instigadas, até serviam como garotas-propaganda revelando o que compraram ou queriam comprar.

Ninguém se lembrou das diretrizes editoriais recentemente promulgadas nem do rígido Padrão Globo de Qualidade. O importante era manter rolando a bola de neve do consumo. Mesmo sabendo que a gastança de classe média brasileira na verdade está dirigida para as ofertas do paraíso comprista americano, conforme revelação dias antes do Wall Street Journal.


Receita do milagre


Quem está enchendo os 52 voos semanais da American Airlines que partem de cinco cidades brasileiras para Miami não é a Classe Globo. Esta faz percursos mais longos, cansativos e muito mais baratos, com escalas em Lima e Panamá, e não se hospeda em Miami – sai mais em conta ficar a uma ou duas horas de distância comprando nos outlets da periferia. No New York Times de quarta-feira (28/12), mais detalhes da febre consumista tupiniquim fabricada pelo real forte, o crédito fácil e os preços convidativos do comércio americano.

O mais curioso é que o Grupo Globo tem o melhor time de jornalistas de economia, todos perfeitamente aptos a comprovar que o comprismo desabrido estimulado pelas autoridades brasileiras não cria empregos no Brasil, mas nos EUA. Os absurdos preços praticados no Brasil têm uma única razão: temos ministros e ministérios da Indústria & Comércio mas não temos uma política para desonerar a produção e criar escala.

Os milagres econômicos alemão e japonês do pós-guerra não foram construídos pelo consumo, ao contrário, foram fruto da poupança. Isso, porém, não pode ser dito no Jornal Nacional, muito menos no Bom Dia, Brasil. Talvez só no Jornal da Globo. Enquanto William Waack lá estiver.

(*) Texto originalmente publicado em http://www.observatoriodaimprensa.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário