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O ônus de ser da graduação. Até quando?

Saudações do Filho Duma Pauta!!

"(...) estamos nos afastando do exercício do pensar (...) essa ideia de que a universidade é uma instituição como qualquer outra, o que inclui até mesmo a sua associação com o mercado, dificulta muito esse exercício de pensar"

É com essa citação de Milton Santos que inicio as atividades do blog neste ano depois de um longo tempo ocioso. Prestes a encerrar o ciclo da graduação em uma universidade pública, resolvi externar um cenário que tenho acompanhado e poucos tenho visto debatê-lo.

Nesses quatro anos na universidade, tenho percebido que a nossa graduação está ficando cada vez estranha. Talvez estranho não seja o adjetivo correto para o trágico cenário que os próximos graduandos encontrão. Ao ingressar na universidade pública, após deixar para trás obstáculos impostos por uma sociedade que se diverte inferiorizando determinados segmentos, pensei encontrar estudantes e professores engajados em mudar essa e outras perspectivas.

No mínimo, almejava encontrar pessoas empenhadas  com a melhoria do ensino superior e da educação no país de forma mais geral.

No entanto, o cenário que encontrei não foi exatamente esse. Não demorou muito para eu perceber que eu estava em um território com proprietários, em um espaço colonizado por uma minoria esforçada a proteger suas cadeiras cativas, preocupado com o agora e com os arredores de seus umbigos.

Para os mais velhos de academia, até aqui nenhuma novidade.
Esse figurino há muito tempo era remendado pela 'classe média letrada' e não seria no meu "ciclo" que seria guardado no armário ou tingido a título de disfarce.

Contudo os mais velhos de academia, principalmente os pertencentes ao corpo docente, também terão de concordar que muitos de seus companheiros deixaram se levar por essa brisa.
É nesse ponto que quero centrar esse post.

Muitos caíram nos encantos da progressão da carreira, nas promessas da produtividade e muitos outros na divinização da pós-graduação. E dessa forma reforçam o contexto de supervalorização da pós e de desvalorização da graduação.

Com os pés no chão, não minimizo os esforços daqueles que cresceram e deram energias à pós-graduação do país, que viram o CNPq reconhecer seus grupos de pesquisa, que tiveram que assumir a posição de 'imigrantes digitais' para poderem preencher o Currículo Lattes, o Facebook da academia, e lutar contra as pressões impostas pela CAPES. Claro, muitos desses, a minoria que ainda vemos pelos corredores dos Departamentos, ainda militam pela independência da liberdade intelectual longe dos instrumentos de tortura de CAPES e similares. Esses que conseguiram sobreviver à junção da gestão à tríade ensino, pesquisa e extensão, sem valorizar ou menosprezar qualquer um.

Pelo contrário, centralizo minhas críticas naqueles acadêmicos que foram subvertidos pelas pressões do "produzir ou parecer", como já tinha elucidado Nelson Pretto, colocando em segundo plano a graduação. De longe tenho acompanhado uma lista de professores fazendo do caminho para a pós uma passarela de tijolos de ouro enquanto que a base da academia precisa sobreviver com as querilas lançadas com honrarias de pão-de-ló.

É lamentável ver crescer o número de docentes que se esqueceram de seus tempos na sofrida base acadêmica. É deplorável o número daqueles que se deixaram levar por esse estranho modelo de universidade do século XXI, no qual impera o valor do quantitativo, do produtivismo acadêmico em troca de benefícios.


"A educação, em todos os níveis, precisa ser fortalecida, mas não como o espaço da competição e sim como um espaço de formação de valores, da colaboração e da ética" (Nelson Pretto)


Não é complicado encontrar professores que vêm adotando essa postura. Difícil mesmo é encontrar aqueles que teriam a coragem de externar o discurso frente aos alunos. É mais fácil fazer um joguinho, uma média como dizemos. Em sala, levantam a bandeira da moralidade, nos corredores: "a culpa é desse alunado descomprometido", "esses alunos não querem nada com nada", "só sabem reproduzir o próprio umbigo"... Ou seja, não sou eu, são os estudantes.

Não sou eu que não quero dar minhas oito aulas na graduação porque quero ter algum tipo de benefício por ser o docente mais produtivo da minha seção. 
Não sou quem prefere deixar meu Departamento em apuros para conseguir, no máximo, um bolsistas para a graduação (claro, os cortes vêm de cima).
Não sou quem deixou às mínguas a Extensão Universitárias para ganhar pontos com a Pesquisa.
Não sou eu que prefiro deixar um colega com 15 orientações enquanto estou mais preocupado com as dificuldades da Pós, com a receita CAPES, com o artigo da Revista X, da Y e da Z...

Ou seja, a graduação não vale coisa nenhuma, é mais importante ter orientando na pós, projetos que tragam investimento de agências de fomento e de setores privados e, claro, publicar, publicar e publicar...
Afinal, é isso que a minha Universidade está pedindo.
Afinal, o próprio reitor faz questão de enfatizar rankings de produção em sua posse.

Posso ir mais além nos exemplos e aposto que esse ambiente está reproduzido em todo o país.
Na área de Comunicação, minha Universidade, a Unesp, possui três cursos de Graduação - Jornalismo, Radialismo e Relações Públicas -  e dois de Pós-Graduação - em Comunicação Midiática e em Televisão Digital, esse profissionalizante.
Se tivermos um pouco de curiosidade, logo constatamos que os mesmos professores estão tanto na Pós quanto na Graduação, pelo menos nominalmente. Isso nos dois departamentos responsáveis pelo curso, o de Comunicação Social e o de Ciências Humanas.

Agora pensem em nossos currículos: quantos desses professores atuam realmente no nosso curso de graduação. Quantos estão disponíveis dentro e fora da sala de aula nos apoios.
Para os com Regime de Dedicação Integral à Docência, os RDIDPs, quantos ainda mantêm a carga horária para que foram contratados? Uns porque caíram na praga do funcionalismo público, outros porque querem fazer a carreira e garantir uma aposentadoria às alturas e alguns que nem mesmo sabem se estão no curso correto. Um fundo do poço já desenhado em 2009 por Waldemar Sguissardi e João dos Reis da Silva Jr em "O trabalho intensificado nas Federais".

Olhem na grade, olhem no seus horários desse semestre.

Não me venham dizer que esse é um modelo importado e por isso todos tendem a segui-lo.
Não é bem isso que dizem estudantes e professores, por exemplo, dos Estados Unidos, Canadá e países da Europa. Por lá valorizam muito a graduação, pois sabem que os próximos estágios acadêmicos dependem do que ocorrer na base.

Daí faço a pergunta para os meus colegas de curso e de universidade: até quanto vamos aceitar isso? Vamos deixar essa brisa, que já é intensa, se transformar em tempestade? Até quando vamos culpar o curso nos esquecendo de que esse é uma construção coletiva?

Até quando vamos ser passivos diante desse cenário? 
Enquanto a Pós-Graduação é valorizada com essas táticas dessa nova universidade, a graduação fica com o ônus

Vamos mostrar que, embora sejamos um ciclo, como muitos enfatizam, podemos fazer parte de um processo de mudança.

Pessoalmente, pretendo continuar no ambiente acadêmico e quiçá me tornar um acadêmico. Espero chegar lá com essa mesma visão, deixando para trás os 'acadêmicos dos pontinhos' e sua visão de tornar o público um espaço para a ascensão pessoal.
Espero que muitos outros pensem assim ou passem a refletir a partir de agora, antes que prefiram desligar os aparelhos da graduação, uma base primordial para o pleno desenvolvimento de qualquer instituição de ensino superior.

A campanha e o desafio estão lançados

4 comentários:

  1. Boa análise Giovani! É curioso como a universidade acaba reproduzindo a desvalorização do ensino "básico" ou inicial que vemos nas políticas públicas (e ausência delas) quando vamos tratar do ensino básico e fundamental e, principalmente, do ensino infantil.

    Pelo pouco que permaneci ai, penso que nosso curso na Unesp infelizmente ainda se encontra em uma transição de mais de 20 anos em que se contrapôs, genericamente, dois tipos de postura na docência: os que neste processo galgaram as benesses do funcionalismo público e se acomodaram em altos salários e em uma burocracia que os protege em suas acochambrações e falta de postura (crítica, principalmente) em relação a tudo; e por outro lado há os que você citou muito bem que são os concorrentes de pontinhos, que deixam de lado a graduação e pensam a educação de forma limitada e a serviço da preservação de seus títulos e status.

    É um contexto seguramente controverso também ao percebermos as justificativas de ambos os lados e os meambros feitos por aqueles que chegam, renovam as esperanças tanto de alunos quanto de professores e ai percebe-se claramente que a perspectiva é sempre no sentido de colocar em prática um projeto de poder em detrimento de um projeto de curso mais crítico e humano, de um ensino democrático, de uma sociedade mais justa e da minima resposta que devemos à sociedade que acredita e investe em nossa formação.

    É um contexto tão controverso (e às vezes até mesmo contraditório) perceber que muitas vezes os mais preocupados com uma gestão democrática ou com um ensino minimamente responsável também na graduação, são alguns dos que em outros momentos colocam em prática uma perspectiva neoliberal e instrumentalista de universidade.
    E ai temos exemplos de iniciativas que optam pela privatização ao invés do caminho árduo e responsável de lutar por uma universidade pública, participativa, humana e emancipadora de fato.

    É claro que temos exemplos que fogem à regra (perversa) tanto entre os docentes quanto entre os alunos. Embora tímidos, há sempre a esperança que o extremo a que vamos nos aproximando incomode estes e cada vez mais pessoas no engajamento por uma universidade diferente, que atenda mais pessoas, que seja gratuita e democrática, de qualidade e que se preocupe com algo além do acúmulo de páginas do currículo Lattes ou com o zero a mais no olerite do final do mês.

    Desculpe-me pelo comentário extenso.
    Bom post!

    Abraço,

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    1. Valeu pelo apoio, Gabriel.
      Tem toda a razão ao apresentar esses outros cenários e as dificuldades que encontramos para debatê-los. Pelo que tenho acompanho da nova gestão da Universidade, tudo indica que caminhamos para a efetiva consolidação do panorama apresentado.

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  2. Ótimo post! Sempre me deparei com essa situação, tanto em sala de aula quanto apresentando trabalhos em congressos. O graduando sofre por estar no primeiro estágio da vida acadêmica, quando, na verdade, deveria receber apoio e orientação dos professores. Mas, enfim, projetos de extensão significam poucos pontos no lattes e não dão "cartaz" aos docentes. Triste situação.

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    1. Tem toda a razão, Damaris. É necessário que se faça algo para rever esses conceitos equivocados de Universidade. Nunca é tarde para pararmos e refletirmos sobre nossos cursos.

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